terça-feira, 3 de novembro de 2015

Uma republiqueta chamada Brasil

O caso das pílulas de fosfoetanolamina sintética é um dos exemplos mais visíveis de como o Brasil é um país atrasado e ignorante.

Um pesquisador que trabalha num universidade pública divulga que uma droga sintetizada por ele cura câncer. E, segundo relatos, andou curando câncer de algumas pessoas.

Com a notícia sendo transmitida boca-a-boca e a postagem em redes sociais o fato ganha notoriedade e o laboratório público onde o pesquisador trabalha começa a fabricar e a distribuir a droga.

A Justiça, claro, foi acionada e proibiu a distribuição. Depois, a Justiça foi acionada de novo e obrigou o laboratório a fazer a distribuição a quem conseguiu uma liminar.

Enquanto isso, muitas pessoas nas redes sociais travam uma guerra. Quem tinha parente com câncer geralmente esbravejava a favor das pílulas e quem tinha um pouco de bom senso percebia que a coisa não podia ser assim. E aquela turma que vê teorias de conspiração em tudo lançou o velho complô da “máfia dos remédios”, do “lobby farmacêutico” ou algo que o valha sem a menor comprovação de qualquer fato.

Aí veio o médico Dráuzio Varella e disse, no Fantástico, que aquilo era um perigo. E elencou as razões: o remédio não tinha jamais passado pelos testes normais que um remédio é obrigado a passar antes de ter comprovada usa eficácia; nenhum órgão oficial tinha referendado o remédio exatamente por não ter sido testado como mandam as normas; não existe um único  remédio para câncer, pois são vários os tipos dessa doença e muitos exigem um tratamento diferenciado.

Foi o bastante para que ele se tornasse o vilão preferido nas redes sociais. Um médico, cuja atuação profissional só pode receber elogios, de repente está “a serviço da indústria farmacêutica”, “contra a população pobre” e outros absurdos que postados diariamente nas redes sociais e, muitas vezes, na própria imprensa irresponsável que ulula por aí.

Agora, o Conselho Federal de Farmácia autuou e vai multar o laboratório público (é do Instituto de Química de São Carlos que pertence à USP) que está produzindo o remédio para enviar a pacientes que receberam da Justiça o “direito” de ter a tal pílula.

Pelo menos um deputado entrou na briga, querendo fazer lei que obrigue o fornecimento e médicos sérios consideram que estamos vivendo uma “indústria do desespero”.

O cenário todo que se formou em torno desse caso é de arrepiar. Caos é pouco. Senão vejamos:

1 – Um químico descobre que uma droga pode amenizar um ou outro tipo de câncer, mas sem comprovação de que ela cura a doença ou serve para todos os tipos de câncer

 2 – A notícia se espalha e muita gente – com os mais variados tipos de câncer – vai atrás da droga que, diga-se, não pode ser vendida

3 – Acionada por organismos responsáveis pela liberação de remédios no Brasil., a Justiça proíbe a venda

4 – Acionada por pessoas que se acham no direito de ter a droga, a Justiça obriga o laboratório público – cuja função não é produzir remédios em escala – a produzir e fornecer a droga a quem conseguir autorização da Justiça. O absurdo de um juiz, sem conhecimento técnico e mesmo sabendo que a droga não passou pelos testes obrigatórios para ser distribuída, obrigar seu fornecimento parece não ter importância no cenário caótico que se produziu

5 – E no mais recente episódio do caso, um dos organismos responsáveis pela fiscalização farmacêutica, resolve autuar o laboratório público que está produzindo. E agora? O laboratório está ilegal porque produze distribui uma droga não testada e está legal porque foi obrigado pela Justiça a produzir e fornecer a droga.

Duvido que tudo isso pudesse acontecer  num país minimamente civilizado, onde as normas e leis são seguidas à risca. A descoberta da droga seria comunicada aos órgãos competentes, eles fariam os testes todos e, dentro de alguns anos – os testes são necessariamente demorados - liberariam ou não a produção e comercialização do remédio.

E eu torço para que, um dia, feitos os testes, a Anvisa ou quem de direito ateste que a droga serve para curar algum ou vários tipos de câncer. Seria bom para o mundo e talvez até valesse um prêmio para quem a descobriu. Mas distribuir um remédio sem que sua eficácia e seus efeitos tenham sido testados é=, além de um desrespeito com a saúde da população, um crime previsto em lei.

A  confusão toda que se instalou nesse caso é bem típico dessa República de Bananas em que se transformou o Brasil. 

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