sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Que vergonha senhores vereadores!

A Câmara de Campinas perdeu uma grande oportunidade de se calar. Não se calou e fez a cidade passar vergonha mundial. Sim, mundial, porque hoje qualquer espirro fora de ordem pode repercutir no mundo inteiro. E foi mais que fora de ordem um bando e vereadores aprovar uma moção de repúdio contra uma questão do Enem.

Eu, por exemplo, não sou muito fã da pensadora Simone de Beauvoir, embora reconheça seu valor intelectual. E vejo com preocupação a "esquerdização" do ensino no Brasil da qual o exame do Enem é prova. 

No caso da questão, cheguei a criticar, no Facebook, mas depois resolvi ler mais um pouco e percebi que o contexto não era bem aquele que muita gente postou. E, se vereador fosse, teria votado contra essa aberração que foi aprovada com apenas cinco votos contrários. Isso porque toda e qualquer pessoa pode ser contra o que pensa qualquer outra pessoa, claro, mas transformar uma questão de uma prova em matéria de repúdio de uma Câmara Municipal ganha contornos que envolvem toda a cidade. E a cidade - ou pelo menos aqueles tiveram acesso a um ensino mais completo -está envergonhada com a postura dos vereadores.

Envergonhada não só por aprovar uma moção usando para tanto um discurso machista e atrasado que não encontra mais paralelo no mundo civilizado, mas por tratar a questão da prova com uma total ignorância sobre o que a pensadora francesa estava falando.

A aberração dos discursos dos vereadores chega ao ponto de considerar que Simone estaria negando o gênero de um ser que nasce mulher. Não estava, claro. Quando ela escreveu o parágrafo escolhido para a prova, essa discussão de gênero não tinha chegado nem aos pés de onde hoje chegou. Portanto, ela se refere à construção social e psicológica da mulher numa sociedade. Do mesmo modo que poderia se referir à construção social e psicológica do homem, numa sociedade tão ou mais machista do que a atual.

A Câmara de Vereadores de Campinas, exposta mais uma vez à gozação pública (já e a terceira vez só neste ano), preocupa e muito, já que seus valores passam longe de qualquer visão democrática da sociedade em que vivemos e coloca a cidade numa evidência negativa de grandes proporções. 

A intolerância exacerbada beira o fanatismo que cega. Daí entenderem que a frase “ninguém nasce mulher” seria uma afirmação contra o gênero. Cegos pelo fanatismo religioso, os vereadores – que passaram ao largo de qualquer estudo de filosofia como provam seus discursos – foram logo clamando por valores da fé para justificar a fogueira em que lançaram o parágrafo da pensadora.

Não atentaram que ela poderia estar dizendo outra coisa com sua análise do papel da mulher na sociedade porque jamais se importaram com isso. Nem perceberam que Simone estava falando justamente com eles e para eles. Sim, porque a mulher, na esmagadora maioria das sociedades tem de enfrentar também o machismo para se firmar. Há sociedades que ainda hoje consideram a mulher um ser inferior – e há exemplos terríveis de execuções oficiais por infidelidade ou assassinatos pelo fato de ter havido uma separação ou por simplesmente por querer a mulher a separação, Há países ainda hoje onde onde as leis priorizam os homens e relegam a mulher a um papel secundário e submisso.

Mas para a maioria dos vereadores de Campinas, a questão de Simone não tratava disso e sim de “ofender o criador” ou alguma coisa parecida.

Como afirmei no início, perdeu a Câmara de Vereadores de Campinas uma boa oportunidade de ficar calada e não expor toda sua ignorância. Porém, perde mais a cidade que um dia já foi sinônimo de cultura. E perdemos todos que lutamos por uma sociedade mais justa, onde todas as pessoas sejam iguais perante as leis e perante a consciência de todos. 

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