segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Prefeitura de Campinas: uma sindicância de cartas marcadas?

Há alguns dias, o engenheiro Hélio Padilha publicou no Facebook que estaria havendo uma perseguição contra ele pela Prefeitura de Campinas. Padilha foi secretário de Urbanismo em 2012, ano em que Pedro Serafim (PDT) assumiu como prefeito, no lugar de Hélio de Oliveira (PDT) e Demétrio Vilagra (PT), ex-prefeito e ex-vice, respectivamente, ambos cassados pela Câmara de Vereadores por corrupção.

Foi instaurada uma Sindicância a pedido do Secretário de Controle e Gestão, Flavio Henrique Costa Pereira que e investiga um caso que ficou famoso na cidade: a construção de um edifício no Cambuí que, no início das obras, causou um acidente que fez desaparecer parte da rua onde ele estava sendo construído.

A construção de um edifício, em qualquer lugar da cidade, passa por uma série de fiscalizações e aprovações. Só de posse de todos os documentos é que a empreiteira pode dar início às obras, seguindo rigorosamente o que foi aprovado pelos órgãos públicos.

Quando Padilha assumiu a Secretaria de Urbanismo, o setor “vivia um caos”, conforme ele mesmo relatou ao blog: “Havia cerca de 60 empreendimentos embargados, tanto pelo Ministério Público quanto pela Prefeitura. Para arrumar a casa, o prefeito publicou um decreto – nº 17.531 de 08/3/2012 – proibindo a continuidade de novos projetos que envolvessem estudos específicos”. O que quer dizer que estavam proibidos os projetos que fugissem à rotina de aprovações.

O prédio da construtora Babaeski Incorporações e Empreendimentos Imobiliários iria ser construído entre a Avenida José de Souza Campos (a Norte-Sul) e a Rua Gustavo Armbrust, no Cambuí e, para tanto, a construtora solicitou aprovação do projeto em dezembro de 2010. Seria um prédio CSE-4, um tipo de construção comercial e de serviços onde se pode construir até quatro vezes a área do terreno.
Em maio do ano seguinte, o projeto já possuía pareceres favoráveis de diversos Departamentos da Prefeitura, além da Sanasa, Emdec e o 4º Comando Aéreo. Ressalte-se que a Secretaria de Meio Ambiente deferiu a licença prévia em maio de 2011 para a tipologia CSE-4, com exigências de contrapartida ao interessado. Até março de 2012, já no governo de Pedro Serafim, os documentos seguiram o trâmite normal, quando foi assinado o decreto que suspendeu as análises.

Esse decreto obrigou a todas as secretarias que tivessem poderes na aprovação de empreendimentos da construção civil que trabalhassem conjuntamente ao Ministério Público. A medida visava também à criação de um novo órgão que permitisse estabelecer regras definidas e novos procedimentos, pois desde 2006 (governo Hélio), quando foi criada a Secretaria de Urbanismo, as aprovações estavam restritas ao secretário desta pasta. O novo decreto – assinado em maio de 2012 – criou o Grupo de Análise de Projetos Específicos (GAPE), vinculado ao Gabinete do Prefeito e ligado à Secretaria de Controle e Gestão.

Aqui cabe uma explicação mais detalhada: tendo em vista as investigações do Ministério Público ocorridas durante o governo de Hélio de Oliveira Santos e que apontaram também as aprovações para novas edificações na cidade como fonte de corrupção – havia diversos indícios de que pessoa do governo cobravam “por fora” para aprovação de empreendimentos – o governo de Pedro Serafim, trabalhando em conjunto com o Ministério Público, suspendeu as aprovações até criar novas regras e um grupo do qual participassem todas as entidades envolvidas na aprovação, para não só dar transparência ao processo dificultando a corrupção e também apressar as aprovações, já que o setor de construção civil responde por boa parte do desenvolvimento da cidade, gerando renda e empregos e estava quase paralisado. O GAPE foi formado somente por servidores de carreira e sem a presença de secretários.

O trâmite dos documentos da construtora havia sido suspenso em março de 2012. Com a criação do grupo, ela protocolou toda a documentação junto ao GAPE para análise e manifestação. A documentação era formada por sete pastas – como exigia o novo decreto – que seriam examinadas pelos representantes de cada órgão no GAPE. Eram pastas destinadas às secretarias de Urbanismo, Planejamento, Meio Ambiente, Infraestrutura, Assuntos Jurídicos, Emdec e Sanasa. Todos os envolvidos aprovaram o empreendimento, exceto a Secretaria de Planejamento, que o indeferiu em agosto de 2012. Com isso, o prédio não poderia ser construído já que a aprovação final exigia unanimidade dos membros do GAPE.

A construtora recorreu da decisão no mesmo mês. O secretário de Planejamento, Alair Roberto Godoy, manifestou-se pela possibilidade de acatar o recurso e encaminhou o processo ao secretário de Urbanismo, Hélio Padilha. A opinião era de que a tipologia CSE-4 não era permitida, segundo alguns técnicos da Secretaria, mas que a área dos subsolos “seria destinada ao uso de garagens, já que a Emdec estava exigindo maior número de vagas previstos em lei e que havia diversos precedentes no local”. O parecer sugeria também que, “caso essa determinação fosse aceita, que passasse a vigorar para os demais imóveis da mesma via”.

Este recurso está foi encaminhado ao prefeito que o acatou e concedeu o uso CSE-4 ao empreendedor, encerrando assim o processo na parte referente ao GAPE. O processo foi então encaminhado a uma reunião de secretários – que estavam discutindo  projetos no âmbito do programa federal Minha Casa Minha Vida – para que fossem definidos os termos de ajustamento de conduta (TAC), embora a lei 6031/88 não preveja contrapartida para a concessão de CSE-4.

Por fim, o processo obteve a liberação do alvará de aprovação e posteriormente o de construção sem ser dispensado de uma única exigência legal. Sanasa, Urbanismo, Planejamento, Emdec, Infraestrutura, Condepacc, Meio Ambiente e Controle e Gestão manifestaram-se favoravelmente ao empreendimento no processo e nas pastas do GAPE. Houve, inclusive, consulta às secretarias de Saúde, Educação e Cultura quanto à necessidade de equipamentos comunitários no local. Após a elaboração do TAC, foi expedido o respectivo alvará de construção.

Segundo Padilha, “apesar do processo ter tramitado no GAPE e a autorização da tipologia CSE-4 ter sido concedida pelo prefeito, ao verificarmos o que estabelece a lei 6031/88, chegaremos à conclusão que o processo não necessitaria de estudos específicos”. O engenheiro acrescenta: “O artigo 27, inciso XIII, letra C, item 2 estabelece que para os usos comercial, de serviços e institucionais serão permitidos os tipos CSE-3, CSE-2, CSE-1, CSE e CSE-4, para estabelecimentos de pequeno, médio e grande porte. No mesmo artigo, o item 4 estabelece que os tipos HCSE-4 e CSE-4 somente são permitidos após estudos específicos, efetuados pelos órgãos técnicos de Planejamento da Prefeitura Municipal de Campinas, por solicitação dos interessados, em locais onde o lençol freático impedir a construção de subsolo.”

No caso, o acidente que acabou destruindo boa parte da Rua Gustavo Armbrust, segundo Padilha, ocorreu “não pelo lençol freático e, sim, por uma execução inadequada da estrutura de contenção, somado à infiltração de água da própria rua. O deslizamento ocorreu na parte do terreno que fica voltada para Rua Gustavo Armbrust que encontra-se a nove metros de altura da Avenida José de Souza Campos.”

Sindicância

O atual governo decidiu, em fevereiro de 2013, abrir uma sindicância para investigar o caso. Um ofício solicitando a abertura da investigação da Secretaria de Controle e Gestão foi enviado para a Secretaria de Negócios Jurídicos. Nesse ofício, observa Padilha, já havia um equívoco: “O secretário, Flavio Henrique Costa Pereira, confundiu a reunião dos secretários para discutir o programa Minha Casa Minha Vida com uma reunião do GAPE”.

Mas mesmo assim foi aberta a sindicância que, segundo Padilha, “foi feita sem que fossem consultadas as pastas pertencentes ao GAPE. Dessa forma as informações ficaram totalmente comprometidas, não retratando a veracidade dos fatos”.

Em junho, numa reunião no Ministério Público, participaram os secretários de Gestão e Controle e a Secretaria de Urbanismo. Lá foi fechado um acordo dando três opções para correções dos empreendimentos tipo CSE-4. Na ocasião, o prédio estava iniciando as estruturas dos muros de arrimo para a reconstrução da rua.

Em agosto deste mesmo ano, a procuradora do Município, Valeria Murad Birolli, manifestou-se na sindicância quanto ao equívoco do Secretário de Controle e Gestão e pediu para a Secretaria de Urbanismo levantar todos os casos precedentes análogos ao caso.

Do acordo feito em junho, nenhuma providência foi tomada. Assim, em novembro de 2013, cinco meses após a ocorrência de deslizamento de terra que culminou com o desmoronamento de parte da Rua Gustavo Armbrust, a então secretária de Urbanismo, Silvia Faria, embargou a obra e cassou os alvarás concedidos à construtora.

A partir daí, o processo tramitou entre os departamentos atinentes até que, em maio do ano passado, foi feito um cálculo de uma nova contrapartida a ser paga pela construtora, chegando-se a um valor de R$ 1.318.935,55, do qual deveria se subtrair R$ 212.010,05 que já haviam sido pagos. O curioso desse cálculo, segundo Padilha, é que ele foi feito por um assessor da Secretaria de Urbanismo e deveria ser feito, conforme manda a lei, pela Secretaria de Finanças já que, é ela que possui as atribuições legais na avaliação de imóveis.

Em junho, a Secretaria de Urbanismo, tendo recebido o valor da nova contrapartida, autorizou o cancelamento da cassação dos alvarás, permitindo que a empresa continuasse a construção, que estava parada nas fundações do muro de arrimo, dentro das especificações iniciais.

Para Padilha, “se a atual administração entende que houve irregularidades por que não as reparou, mantendo tudo como inicialmente previsto? Mesmo com o empreendimento embargado na execução das fundações, nenhuma alteração foi feita no projeto. Se o empreendimento estava embargado nas fundações, deveriam ter exigido modificações neste momento, mas o que realmente ocorreu foi a manutenção do alvará que eu havia expedido em 2012, o que convalida a decisão anteriormente aplicada e acata a aprovação, extinguindo a justificativa para a continuidade da sindicância.”

Mas a sindicância continuou, mesmo sem ter mais razão de ser. Em agosto de 2014, Padilha procurou a diretora do Departamento de Processos Disciplinares, Marcia Charcon, e entregou a ela cópia dos documentos que comprovavam que o processo passou pelo GAPE e foi autorizado pelo Prefeito e que sua conduta não teve irregularidades. Estranhamente eles não foram anexados à sindicância e nem sequer foram verificados para comprovação dos fatos.

Para Padilha, “fica patente a intenção de cercear a possibilidade de esclarecimento e até de defesa. Há, pelo visto, uma clara intenção de indiciar alguém por improbidade administrativa, pois nove protocolos embasaram a aprovação do empreendimento e um apenas serviu de elemento para a instrução do processo administrativo. Isso remete a uma total parcialidade na conduta do processo”.

Depoimento de Silva Faria

Na sindicância aberta, um dos depoimentos é da ex-secretária de Urbanismo, Silvia Faria, que cassou os alvarás da obra. Seu depoimento ocorreu recentemente, nos fins de setembro. Logo nas primeiras respostas, ela diz que o empreendimento não poderia ser CSE-4 e sim CSE-3 e que o acidente ocorreu por conta do excesso de potencial construtivo. No caso, o excesso seria a construção de garagens no subsolo onde poderia haver um lençol freático.

Ela diz também não se recordar se o processo todo passou pelo GAPE e se o grupo deu ou não parecer favorável. Detalhe: o processo passou sim pelo GAPE e teve a aprovação dele, de todas as secretarias envolvidas e a posterior aprovação do prefeito.

Em outra parte o depoimento transcrito se torna um tanto confuso: “Questionada sobre os motivos pelos quais foram cassados os alvarás de execução e de aprovação mesmo após os procedimentos de autorização pelo GAPE, e elaboração de TAC, a depoente esclareceu que a interpretação que houve na reunião de que o empreendimento poderia ser construído com uma vez a mais e subsolo na tipologia CSE-4 quando tem impedimento de fazer o subsolo, estava equivocado porque não tinha respaldo legal para isso; a lei é muito clara e só autoriza a utilização do CSE-4 quando tem impedimento de fazer o subsolo, o que não era o caso; como houve construção de subsolo, a tipologia correta seria CSE-3; esclarece que no entendimento à época seria que o projeto aprovado deveria ser substituído por um projeto utilizando-se CSE-3 para ter novo alvará concedido e a obra liberada.”

O lençol freático como causa do acidente é outra questão que está sendo discutida. Padilha garante que ele não interferiu no acidente, já que estaria a uma distância segura do local e a rua que cedeu estava nove metros acima do nível da Avenida José de Souza Campos.

Para a ex-secretária de Urbanismo, no entanto, “tecnicamente existia o lençol freático alto, tanto que provocou o acidente e a queda da rua, mas o projeto não considerou isso e foi proposto (sic) vários níveis de subsolo; o engenheiro da obra não considerou o subsolo impeditivo, ou seja, tinha solução técnica para garantir que o lençol freático não comprometeria a execução dos subsolos.”

No depoimento, a ex-secretária afirma ainda que no CSE-4 é permitida a construção de subsolo, mas não na zona 13. Só que, diz Padilha, a tipologia CSE-4 só é permitida na Zona 13. 

Apesar das contradições, da aprovação da obra por todas as secretarias envolvidas e do projeto ter sofrido a cassação dos alvarás e quando foi retomado não mudou nada do projeto original, Padilha está indiciado com a acusação de possível improbidade administrativa por ter aprovado a obra “sem estudo específico”. Curioso, no caso, é que a ex-secretária de Urbanismo, que cassou os alvarás, reconhece no depoimento que a obra recebeu estudos específicos: “...Questionada que considerando que o projeto contou com a análise de cada Secretaria após estudo específico quanto ao impacto de tal empreendimento, definindo-se as exigências ao empreendedor e as contrapartidas e obras necessárias, concluindo referidas Secretarias pelo deferimento do projeto, a depoente esclarece que seria possível considerar que o estudo específico foi efetuado”.

Agora resta o depoimento de Padilha, que deve ocorrer em breve. Ao blog ele disse que o depoimento da ex-secretária de Urbanismo foi considerado parcial e potencialmente desastroso. Ele acredita que a Prefeitura esteja mesmo com a intenção de culpá-lo por improbidade administrativa num processo de autorização de um empreendimento que passou por várias secretarias, por um grupo de análise e pelo prefeito, tendo recebido aprovação de todas essas instâncias. 

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