Há alguns dias, o engenheiro Hélio Padilha publicou no
Facebook que estaria havendo uma perseguição contra ele pela Prefeitura de
Campinas. Padilha foi secretário de Urbanismo em 2012, ano em que Pedro Serafim
(PDT) assumiu como prefeito, no lugar de Hélio de Oliveira (PDT) e Demétrio
Vilagra (PT), ex-prefeito e ex-vice, respectivamente, ambos cassados pela
Câmara de Vereadores por corrupção.
Foi instaurada uma Sindicância a pedido do Secretário de
Controle e Gestão, Flavio Henrique Costa Pereira que e investiga um caso que
ficou famoso na cidade: a construção de um edifício no Cambuí que, no início das
obras, causou um acidente que fez desaparecer parte da rua onde ele estava
sendo construído.
A construção de um edifício, em qualquer lugar da cidade,
passa por uma série de fiscalizações e aprovações. Só de posse de todos os
documentos é que a empreiteira pode dar início às obras, seguindo rigorosamente
o que foi aprovado pelos órgãos públicos.
Quando Padilha assumiu a Secretaria de Urbanismo, o setor
“vivia um caos”, conforme ele mesmo relatou ao blog: “Havia cerca de 60
empreendimentos embargados, tanto pelo Ministério Público quanto pela
Prefeitura. Para arrumar a casa, o prefeito publicou um decreto – nº 17.531 de
08/3/2012 – proibindo a continuidade de novos projetos que envolvessem estudos
específicos”. O que quer dizer que estavam proibidos os projetos que fugissem à
rotina de aprovações.
O prédio da construtora Babaeski Incorporações e Empreendimentos
Imobiliários iria ser construído entre a Avenida José de Souza Campos (a
Norte-Sul) e a Rua Gustavo Armbrust, no Cambuí e, para tanto, a construtora
solicitou aprovação do projeto em dezembro de 2010. Seria um prédio CSE-4, um
tipo de construção comercial e de serviços onde se pode construir até quatro vezes
a área do terreno.
Em maio do ano seguinte, o projeto já possuía pareceres
favoráveis de diversos Departamentos da Prefeitura, além da Sanasa, Emdec e o
4º Comando Aéreo. Ressalte-se que a Secretaria de Meio Ambiente deferiu a
licença prévia em maio de 2011 para a tipologia CSE-4, com exigências de
contrapartida ao interessado. Até março de 2012, já no governo de Pedro
Serafim, os documentos seguiram o trâmite normal, quando foi assinado o decreto
que suspendeu as análises.
Esse decreto obrigou a todas as secretarias que tivessem
poderes na aprovação de empreendimentos da construção civil que trabalhassem
conjuntamente ao Ministério Público. A medida visava também à criação de um
novo órgão que permitisse estabelecer regras definidas e novos procedimentos,
pois desde 2006 (governo Hélio), quando foi criada a Secretaria de Urbanismo,
as aprovações estavam restritas ao secretário desta pasta. O novo decreto –
assinado em maio de 2012 – criou o Grupo de Análise de Projetos Específicos (GAPE),
vinculado ao Gabinete do Prefeito e ligado à Secretaria de Controle e Gestão.
Aqui cabe uma explicação mais detalhada: tendo em vista as
investigações do Ministério Público ocorridas durante o governo de Hélio de
Oliveira Santos e que apontaram também as aprovações para novas edificações na
cidade como fonte de corrupção – havia diversos indícios de que pessoa do
governo cobravam “por fora” para aprovação de empreendimentos – o governo de
Pedro Serafim, trabalhando em conjunto com o Ministério Público, suspendeu as
aprovações até criar novas regras e um grupo do qual participassem todas as
entidades envolvidas na aprovação, para não só dar transparência ao processo
dificultando a corrupção e também apressar as aprovações, já que o setor de
construção civil responde por boa parte do desenvolvimento da cidade, gerando
renda e empregos e estava quase paralisado. O GAPE foi formado somente por
servidores de carreira e sem a presença de secretários.
O trâmite dos documentos da construtora havia sido suspenso
em março de 2012. Com a criação do grupo, ela protocolou toda a documentação junto
ao GAPE para análise e manifestação. A documentação era formada por sete pastas
– como exigia o novo decreto – que seriam examinadas pelos representantes de
cada órgão no GAPE. Eram pastas destinadas às secretarias de Urbanismo,
Planejamento, Meio Ambiente, Infraestrutura, Assuntos Jurídicos, Emdec e
Sanasa. Todos os envolvidos aprovaram o empreendimento, exceto a Secretaria de
Planejamento, que o indeferiu em agosto de 2012. Com isso, o prédio não poderia
ser construído já que a aprovação final exigia unanimidade dos membros do GAPE.
A construtora recorreu da decisão no mesmo mês. O secretário
de Planejamento, Alair Roberto Godoy, manifestou-se pela possibilidade de
acatar o recurso e encaminhou o processo ao secretário de Urbanismo, Hélio
Padilha. A opinião era de que a tipologia CSE-4 não era permitida, segundo
alguns técnicos da Secretaria, mas que a área dos subsolos “seria destinada ao
uso de garagens, já que a Emdec estava exigindo maior número de vagas previstos
em lei e que havia diversos precedentes no local”. O parecer sugeria também
que, “caso essa determinação fosse aceita, que passasse a vigorar para os
demais imóveis da mesma via”.
Este recurso está foi encaminhado ao prefeito que o acatou e
concedeu o uso CSE-4 ao empreendedor, encerrando assim o processo na parte referente
ao GAPE. O processo foi então encaminhado a uma reunião de
secretários – que estavam discutindo projetos no âmbito do programa federal Minha
Casa Minha Vida – para que fossem definidos os termos de ajustamento de conduta
(TAC), embora a lei 6031/88 não preveja contrapartida para a concessão de CSE-4.
Por fim, o processo obteve a liberação do alvará de
aprovação e posteriormente o de construção sem ser dispensado de uma única
exigência legal. Sanasa, Urbanismo, Planejamento, Emdec, Infraestrutura,
Condepacc, Meio Ambiente e Controle e Gestão manifestaram-se favoravelmente ao
empreendimento no processo e nas pastas do GAPE. Houve, inclusive, consulta às
secretarias de Saúde, Educação e Cultura quanto à necessidade de equipamentos
comunitários no local. Após a elaboração do TAC, foi expedido o respectivo
alvará de construção.
Segundo Padilha, “apesar do processo ter tramitado no GAPE e
a autorização da tipologia CSE-4 ter sido concedida pelo prefeito, ao
verificarmos o que estabelece a lei 6031/88, chegaremos à conclusão que o
processo não necessitaria de estudos específicos”. O engenheiro acrescenta: “O
artigo 27, inciso XIII, letra C, item 2 estabelece que para os usos comercial,
de serviços e institucionais serão permitidos os tipos CSE-3, CSE-2, CSE-1, CSE
e CSE-4, para estabelecimentos de pequeno, médio e grande porte. No mesmo
artigo, o item 4 estabelece que os tipos HCSE-4 e CSE-4 somente são permitidos
após estudos específicos, efetuados pelos órgãos técnicos de Planejamento da Prefeitura
Municipal de Campinas, por solicitação dos interessados, em locais onde o
lençol freático impedir a construção de subsolo.”
No caso, o acidente que acabou destruindo boa parte da Rua
Gustavo Armbrust, segundo Padilha, ocorreu “não pelo lençol freático e, sim,
por uma execução inadequada da estrutura de contenção, somado à infiltração de
água da própria rua. O deslizamento ocorreu na parte do terreno que fica voltada
para Rua Gustavo Armbrust que encontra-se a nove metros de altura da Avenida
José de Souza Campos.”
Sindicância
O atual governo decidiu, em fevereiro de 2013, abrir uma
sindicância para investigar o caso. Um ofício solicitando a abertura da
investigação da Secretaria de Controle e Gestão foi enviado para a Secretaria
de Negócios Jurídicos. Nesse ofício, observa Padilha, já havia um equívoco: “O
secretário, Flavio Henrique Costa Pereira, confundiu a reunião dos secretários
para discutir o programa Minha Casa Minha Vida com uma reunião do GAPE”.
Mas mesmo assim foi aberta a sindicância que, segundo
Padilha, “foi feita sem que fossem consultadas as pastas pertencentes ao GAPE.
Dessa forma as informações ficaram totalmente comprometidas, não retratando a
veracidade dos fatos”.
Em junho, numa reunião no Ministério Público, participaram os
secretários de Gestão e Controle e a Secretaria de Urbanismo. Lá foi fechado um
acordo dando três opções para correções dos empreendimentos tipo CSE-4. Na
ocasião, o prédio estava iniciando as estruturas dos muros de arrimo para a
reconstrução da rua.
Em agosto deste mesmo ano, a procuradora do Município,
Valeria Murad Birolli, manifestou-se na sindicância quanto ao equívoco do
Secretário de Controle e Gestão e pediu para a Secretaria de Urbanismo levantar
todos os casos precedentes análogos ao caso.
Do acordo feito em junho, nenhuma providência foi tomada.
Assim, em novembro de 2013, cinco meses após a ocorrência de deslizamento de
terra que culminou com o desmoronamento de parte da Rua Gustavo Armbrust, a então
secretária de Urbanismo, Silvia Faria, embargou a obra e cassou os alvarás
concedidos à construtora.
A partir daí, o processo tramitou entre os departamentos
atinentes até que, em maio do ano passado, foi feito um cálculo de uma nova
contrapartida a ser paga pela construtora, chegando-se a um valor de R$
1.318.935,55, do qual deveria se subtrair R$ 212.010,05 que já haviam sido
pagos. O curioso desse cálculo, segundo Padilha, é que ele foi feito por um
assessor da Secretaria de Urbanismo e deveria ser feito, conforme manda a lei,
pela Secretaria de Finanças já que, é ela que possui as atribuições legais na
avaliação de imóveis.
Em junho, a Secretaria de Urbanismo, tendo recebido o valor
da nova contrapartida, autorizou o cancelamento da cassação dos alvarás,
permitindo que a empresa continuasse a construção, que estava parada nas
fundações do muro de arrimo, dentro das especificações iniciais.
Para Padilha, “se a atual administração entende que houve
irregularidades por que não as reparou, mantendo tudo como inicialmente
previsto? Mesmo com o empreendimento embargado na execução das fundações,
nenhuma alteração foi feita no projeto. Se o empreendimento estava embargado
nas fundações, deveriam ter exigido modificações neste momento, mas o que
realmente ocorreu foi a manutenção do alvará que eu havia expedido em 2012, o
que convalida a decisão anteriormente aplicada e acata a aprovação, extinguindo
a justificativa para a continuidade da sindicância.”
Mas a sindicância continuou, mesmo sem ter mais razão de
ser. Em agosto de 2014, Padilha procurou a diretora do Departamento de
Processos Disciplinares, Marcia Charcon, e entregou a ela cópia dos documentos que
comprovavam que o processo passou pelo GAPE e foi autorizado pelo Prefeito e
que sua conduta não teve irregularidades. Estranhamente eles não foram anexados
à sindicância e nem sequer foram verificados para comprovação dos fatos.
Para Padilha, “fica patente a intenção de cercear a
possibilidade de esclarecimento e até de defesa. Há, pelo visto, uma clara
intenção de indiciar alguém por improbidade administrativa, pois nove
protocolos embasaram a aprovação do empreendimento e um apenas serviu de
elemento para a instrução do processo administrativo. Isso remete a uma total parcialidade
na conduta do processo”.
Depoimento de Silva Faria
Na sindicância aberta, um dos depoimentos é da ex-secretária
de Urbanismo, Silvia Faria, que cassou os alvarás da obra. Seu depoimento
ocorreu recentemente, nos fins de setembro. Logo nas primeiras respostas, ela
diz que o empreendimento não poderia ser CSE-4 e sim CSE-3 e que o acidente
ocorreu por conta do excesso de potencial construtivo. No caso, o excesso seria
a construção de garagens no subsolo onde poderia haver um lençol freático.
Ela diz também não se recordar se o processo todo passou
pelo GAPE e se o grupo deu ou não parecer favorável. Detalhe: o processo passou
sim pelo GAPE e teve a aprovação dele, de todas as secretarias envolvidas e a
posterior aprovação do prefeito.
Em outra parte o depoimento transcrito se torna um tanto
confuso: “Questionada sobre os motivos pelos quais foram cassados os alvarás de
execução e de aprovação mesmo após os procedimentos de autorização pelo GAPE, e
elaboração de TAC, a depoente esclareceu que a interpretação que houve na
reunião de que o empreendimento poderia ser construído com uma vez a mais e
subsolo na tipologia CSE-4 quando tem impedimento de fazer o subsolo, estava
equivocado porque não tinha respaldo legal para isso; a lei é muito clara e só
autoriza a utilização do CSE-4 quando tem impedimento de fazer o subsolo, o que
não era o caso; como houve construção de subsolo, a tipologia correta seria
CSE-3; esclarece que no entendimento à época seria que o projeto aprovado
deveria ser substituído por um projeto utilizando-se CSE-3 para ter novo alvará
concedido e a obra liberada.”
O lençol freático como causa do acidente é outra questão que
está sendo discutida. Padilha garante que ele não interferiu no acidente, já
que estaria a uma distância segura do local e a rua que cedeu estava nove
metros acima do nível da Avenida José de Souza Campos.
Para a ex-secretária de Urbanismo, no entanto, “tecnicamente
existia o lençol freático alto, tanto que provocou o acidente e a queda da rua,
mas o projeto não considerou isso e foi proposto (sic) vários níveis de
subsolo; o engenheiro da obra não considerou o subsolo impeditivo, ou seja,
tinha solução técnica para garantir que o lençol freático não comprometeria a
execução dos subsolos.”
No depoimento, a ex-secretária afirma ainda que no CSE-4
é permitida a construção de subsolo, mas não na zona 13. Só que, diz Padilha, a
tipologia CSE-4 só é permitida na Zona 13.
Apesar das contradições, da aprovação da obra por todas as
secretarias envolvidas e do projeto ter sofrido a cassação dos alvarás e quando
foi retomado não mudou nada do projeto original, Padilha está indiciado com a
acusação de possível improbidade administrativa por ter aprovado a obra “sem
estudo específico”. Curioso, no caso, é que a ex-secretária de Urbanismo, que
cassou os alvarás, reconhece no depoimento que a obra recebeu estudos
específicos: “...Questionada que considerando que o projeto contou com a
análise de cada Secretaria após estudo específico quanto ao impacto de tal
empreendimento, definindo-se as exigências ao empreendedor e as contrapartidas
e obras necessárias, concluindo referidas Secretarias pelo deferimento do
projeto, a depoente esclarece que seria possível considerar que o estudo
específico foi efetuado”.
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